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Aqui contamos histórias sobre nossas peripécias dando a volta ao mundo em nosso veleiro. Nós somos: Fabio, Miriam, Caio, Rafael e Cacau e não sabemos onde vamos parar, só sabemos que vamos "Para onde o vento vai".


terça-feira, 30 de setembro de 2014

Um pouco de história ... "Nasce um mar"

Faz um bom tempo que eu percebi o tamanho de minha ignorância... Ainda tenho o indício da prepotência e da arrogância no meu comportamento, mas o tempo se encarregará de removê-lo de todo. Toda aquela certeza que eu tinha quando era adolescente se transformou em paz de espírito e agora, ainda que com sérias recaídas eu sou capaz de responder com o queixo erguido que "NÃO SEI" sem que isso represente o fim do mundo. 

"Eu simplesmente não sei muito mais do que tudo que eu já aprendi"

O aprendizado vem de todos os lugares, dos mais nobres doutores ao mais singelos senhores. Para nós, marinheiros, a natureza também nos ensina importantes e severas lições, aprendidas com uma mistura de medo e regozijo. Os ventos e os mares são bons professores !!! Mas afinal, tempo bom não faz bom marinheiro, eu sigo em frente com essa missão que aprender um pouco a cada lugar por onde vamos. Aprender um pouco de história, um pouco de geografia, um pouco de línguas, um pouco de costumes, etc, etc, etc

Com isto em mente eu trago, para aqueles interessados, um pouco da história do mar mais navegado da história. De nosso amigo Elio Somaschini que autorizou a publicação segue "Nasce um mar ... "

Uma história para pensar

Navegar no Mediterrâneo não é fácil. Esse pequeno grande mar exige muito conhecimento e qualidades marinheiras por parte de quem se aventura nele. Sua história está intimamente ligada com a nossa existência e conhecê-la nos faz entender muitas coisas sobre a cultura ocidental.

O nascimento de um mar

Quando a Terra se formou e esfriou, bem depois de um enorme asteroide ter se chocado com ela e arrancado um pedaço e que hoje se chama Lua, existia um enorme continente primogênito, denominado Gondwana, circundado por água. Há cerca de 200 milhões de anos ele começou a romper-se e as enormes massas continentais se formaram. Há 90 milhões de anos, quando so dinossáuros dominavam o planeta, Eurásia e América do Norte estavam quase juntas enquanto a América do Sul, África, Antártida, Índia e Austrália já iam chegando próximas das posições atuais.
O Atlântico e o Pacífico estavam nascendo assim como um enorme braço de mar que separava África de Eurásia (indo de oeste para leste) chamado Tetis. 60 milhões de anos atrás, a época da extinção dos dinossáuros, o planeta já começava a se parecer com o que é agora, mas as américas ainda não se haviam unido e o mar de Tetis continuava conectando o Atlântico com o que hoje chamaos de Índico.

Há 24 milhões de anos atrás a África estava se movendo em direção à Ásia e foi fechando esse mar até que, cerca de 12 milhões de anos atrás ele desapareceu quase completamente. Sobraram, após mais cinco milhões de anos de movimentos, um mar aprisonado entre África e Ásia, que é o atual Mar Vermelho, e um outro mar preso no interior, que é o atual Mediterrâneo. Eis que, cerca de 6,75 milhões de anos atrás, as coisas começaram a acontecer de maneira rápida (em termos geológicos) e violentas. Veio a glaciação e com ela a retração das águas. O Atlântico abaixou o seu nível e deixou de aportar água ao Mediterrâneo. O Mediterrâneo foi secando e, por causa das fortes evaporações, o nível das águas ficou cerca de 1.500 metros abaixo do nível atual.

Sobraram algumas manchas de água salobra espalhadas dentro da região mediterrânea que se assemelhariam muito ao atual Mar Morto. É fácil entender a violenta e rápida devastação que ocorreu no Mediterrâneo se atentarmos ao detalhe que, hoje em dia, em época muito mais chuvosa do que aquela, o Atlântico joga todo ano cerca de 2.400 quilômetros cúbicos de água, sem contar a que vem do Mar Negro. Lembre-se que um metro cúbico de água são mil litros e que pesam uma tonelada. Isso da uma visão clara de quanto o Mediterrâneo é deficitário.

A África sofria enormes diminuições em suas florestas e grandes savanas começaram a surgir. Alguns animais tiveram que adaptar-se a essa mudança e tiveram que descer das árvores e caminhar pelas savanas em busca de alimento. É interessante notar que a mesma crise que provocou a morte do Mediterrâneo também propiciou o aparecimento do Australopithecos (que em grego significa macaco do sul)há seis milhões de anos. A Terra estava terminando mais um ciclo glacial. Água no estado líquido era escassa, especialmente nessas latitudes ou superiores. A que existia estava congelada, os mares e oceanos retraidos.

Passaram-se cerca de trezentos mil anos para que os gelos começassem a se derreter e o Atlântico pudesse superar o umbral de Gibraltar e jogar água para dentro da ressecada concha.
Iniciando a era de aquecimento, esse gêlo que começa a se derreter faz o nível dos oceanos subir e as primeiras ondas começam a passar por cima das rochas do estreito de Gibraltar e aos poucos vão derrubando aquela fina barreira de pedras. O volume de água que invade o Mediterrâneo começa a aumentar e derrubar mais rochas daquela barreira até que uma violenta cachoeira se forma trazendo milhões de metros cúbicos de água para dentro.

Há dados muito controversos sobre esse volme de água, os mais conservadores indicando um volume  400 vezes maiores que o atual Niágara fluindo durante mil anos, até extremos, com dados coletados em 2009, que indicam que o enchimento durou apenas dois anos(!), o que tornaria muito mais violento e grandioso o processo, cerca de 20 mil vezes maior que o Niagara. Seja qual for o mais correto, imaginar esse volume de água irrompendo naquela estreita garganta, nos dá uma imagem dantesca da força da natureza.

O que é considerado consenso entre os cientistas é a duração de 1 mil anos. O nível da concha ocidental sobe, se une à oriental, e começa a criar os contornos do mar que conhecemos atualmente. Não tivemos a honra de apreciar esse espetáculo de magnitude, violência e beleza sem igual . O Homo ainda não havia surgido no planeta. A era em que esses fatos aconteceram recebe o nome de Messinense pois foi no estreito de Messina que foram encontradas as primeiras pistas que permitiram aos geólogos reconstruir o passado.

O movimento das placas da Eurásia criou uma fratura que permitiu que as águas de um mar aprisionado pudessem desafogar através do que hoje é o Bósforo, o Mar de Marmara e Dardaneles e desaguassem no Mediterrâneo. Esse mar aprisionado é o Mar Negro que, com seus três metros de nível acima do Mediterrâneo, leva constantemente água que recebe de rios como o Danúbio criando uma corrente que nos estreitos chega a manter velocidades de cinco nós. 

Montanhas ficaram submersas e outras conseguiram manter suas partes mais altas acima do nível da água, criando as maravilhosas ilhas que conhecemos. O Mediterrâneo tem mais água evaporando do que a recebida pelas dezenas de rios e por Dardaneles, com que há um fluxo constante de água do Oceano Atlântico para dentro por Gibraltar. Desde então, com as diferentes variações climáticas, o nível do Mediterrâneo tem oscilado entre cerca de 200 metros acima até cerca de 150 metros abaixo do nível atual. Como o estreito de Gibraltar tem profundidade de 400 metros, isso indica que ele nunca mais deixou de receber água do Atlântico. O jovem mar cresce e se define

Foi no início do Pleistocênico, cerca de 2,5 milhões de anos atrás, que apareceram os primeiros verdadeiros representantes do Homo, ou seja seres bípedes capazes de fabricar toscas ferramentas de pedra. Não eram valentes caçadores, ao contrário, por serem animáis desprovidos de garras ou dentes forte, sobreviviam despedaçando restos de animais mortos com suas toscas pedras. A cadeia evolutiva nos leva ao Homo Habilis e depois ao mais agressivo e nômade Homo Erectus que já coloniza a Eurásia e finalmente no Homo Sapiens, que somos nós.

É interessante notar que um ramo desses hominidios se desenvolveu de maneira independente na Europa durante as glaciações originando o conhecido homem de Neardenthal, um grande caçador, muito bem adaptado ao frio e com um cérebro maior que o nosso, enquanto na África apareceriam mais tarde os homens anatômicamente modernos, os Homo Sapiens.

Cerca de 2,5 milhões de anos atrás as coisas começaram a ficar agitadas de novo, porém sem a violência anterior, e começou o período denominado Pleistoceno (em grego Pleisto significa mais recente, portanto o cenário mais recente),quando finalizou a última glaciação. Nesse período houveram 17 glaciações e respectivos degelos.

Como se tudo isso não fosse suficiente para criarmos um filme cheio de aventuras em nossas cabeça, somemos o fato que existem os movimentos tectônicos que ainda ocorrem! As evidências são fortes. Existem plataformas marinhas, na Turquia, que se encontram a mais de 100 metros acima do nível do mar. Há ruínas da época heleníca que estão submergidas na costa meridional turca e as columnas de Pozzuoli (Nápoles) que mostram sinais de terem ficado submersas pelas águas do mar por muitos séculos e agora estão lá, metros acima, para todos verem!

O primeiro movimento é o das placas da Eurásia e da África do norte. Essa última se move cerca de dois centímetros por ano em direção ao norte. Para complicar o cenário, existem duas pequenas placas, uma denominada Arábiga, que se move em direção ao norte como a África, e outra a Anatólica, onde está a Turquia, que se move em direção sudoeste cerca de 4 a 5 cm por ano, que afundam sob a placa africana na região abissal de Heródoto até o sul da Grécia. Claro que isso provoca terremotos e o surgimento de vulcões em toda a região. Aquilo que os turistas gostam de ver é na verdade uma bomba relógio pronta a explodir a qualquer momento.

Os vulcões de Santorini, Etna, Stromboli e Vesúvio estão ativos. Terremotos são uma constante. As tão apreciadas ilhas Ciclades, cartão postal da Grécia, com suas casas brancas e portas e janelas azuis, são o que restou acima do nível do mar de um vulcão que provocou a maior erupção que a umanidade registrou, quatro  vezes mais forte que o de Cracatoa, e que deixou o céu negro por meses e meses, com chuvas constantes e espalhando morte, inundações e destruição não somente no médio oriente.

O terremoto de Messina de 1908 matou mais de 80 mil pessoas, o triste terremoto de Atenas na década de 80 matou milhares e eles provocam movimentos de subida ou afundamento de grande extensões de terra. Os vulcões também foram causa de desastres. O Etna destruiu Catânia, o Vesúvio destruiu Herculano e Pompéia, mas as pessoas parece não se preocuparem com isso. O Stromboli é o mais ativo, com lav constantemente saindo de suas bocas e os italianos vivem nessa minúscula ilha com lava sempre escorrendo. Navegar à noite em suas proximidades é inesquecível.

Catânia foi reconstruida e, seus abitantes chamam o vulcão de La vecchia Signora e vivem nas suas encostas com os picos nevados a 3340 metros de altura e a fumaça saindo constantemente de seu topo. Sem dúvida o mais dramático de todos talvez seja o vulcão Thira, na ilha que os italianos chamavam de Santa Irene e que agora os gregos e o mundo conhecem como Santorini, no mar Egeu. Entrar em Santorini com o veleiro constitui uma experiência única.

Aquilo que parece ser uma ilha grega comum, com rípidas pendentes salpicadass de casas brancas, se transforma numa paisagem de sonho e pesadelo ao mesmo tempo. Passar entre a ilha principal e uma pequena ilha vizinha,com aquelas casas brancas agarradas nas encostas da enorme caldeira inundada com lava multicolorida escorrendo num fundo de mar de rápidas variações, é de manter os cabelos eriçados a qualquer velejador. O tamanho da cratera principal é de4 a 5 quilômetros de largura, com paredes rípidas a pico e que descem a profundidades de até 400 metros.

A água tem uma cor azul cobalto e o contraste com as paredes avermelhadas, ocres e esbranquiçadas, coroadas pelos pequenos povoados na beira do abismo impressiona. Foi esse vulcão que produziu, cerca de 1.600 anos A.C. a maior catástrofe que o homem recorda. A erupção lançou ao ar milhões de toneladas de material pulverizado e criou um tsunami gigantesco que percorreu todo o Mediterrâneo. Na cidade de Akrotiri a população teve tempo de escapar e as cinzas cobriram tudo, permitindo que, pouco menos de 50 anos atrás, geólogos gregos descobrissem essa cidade e pudessem encontrar intactos maravilhosos afrescos e todas as casas, aumentando notavelmente nossos conhecimentos sobre a cultura e a forma de vida daquele povo. Pedra pome ejetada pelo vulcão recobria terrços situados cerca de 5 metros acima do nível atual do mar.

O Homo do Mediterrâneo sabe bem o que é viver com a natureza jogando contra e preparando surpresas. Variações de nível de água de 150 metros fazem sorrir quando nos mostramos preocupados com as variações de 5 a 10 metros estimadas para os próximos séculos, mas o Homo Sapiens sabe se adaptar.  

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