Pessoal
Chegamos...
Foram 23 noites (bem dormidas) e 24 dias de travessia desde Sint Maarten até Flores nos Açores. Eu vou contar a história em dois posts o primeiro mais curto com fotos e o segundo mais para o pessoal que gosta de alguns detalhes de navegação.
Saimos de Sint Maarten juntamente com o veleiro Bravo Uno de nosso amigo Paco. Ele ia fazer em solitário e estamos tentando seguir juntos. A conclusão: Dois dias depois não estavamos mais ao alcance do rádio. Veleiro muito diferentes dificilmente andam juntos.
A saída do lagoon de Sint Maarten tem hora marcada com a ponte. A ponte se levanta algumas vezes ao dia tanto para entrada quanto para saída. Então ficamos em fila do lado de dentro e quando a ponte começa a levantar e o sinal fica verde, lá vamos nós: começa nossa jornada
Mas a saída foi coberta de expectativa e com total e absoluta falta de vento. Não aguentávamos mais ficar parados e a previsão era de 7 dias de bom tempo. Tinha certeza de achar um pouco de vento pelo caminho. Um bom algúrio veio até nós.
Uma caravela indo para oeste. A caravela moderna navegava ao sabor de quase nenhum vento, mas carregada por um belo motor a diesel...
Mesmo assim, foi um momento muito interessante.
Claro que a travessia nos reservava uma série de momentos interessantes, mas começamos bem. Nosso plano era ir a motor quando não tivesse vento e velejar sem forçar o barco no rumo direto entre Sint Maarten e Açores.
Arrumamos o barco para primeira noite, motorando quase sem parar e colocando o alarme AIS (indicativo de navios ao redor) definido para um alcance de 20 milhas. A fama de oceano mais navegado do mundo ficou clara. Era navio a toda hora, precisamos arrumar o AIS outra vez para um range de 5 milhas e depois para 3. Ai a frequência de alarmes passou a ser tolerável.
Fora o intenso tráfego o oceano parecia um lago espelhando o céu. Seguem alguns pores-do-sol para exemplificar
No começo nosso destino era Faial, o porto de entrada dos Açores. Mas tinha esperança que os ventos e as correntes me permitissem ir para Flores. O Caio, meu filho, ia no veleiro TEMUJIN ajudando o Lúcio e o Thiago a fazer a travessia e o Lúcio ia para Flores.
Quando o vento entrava, mesmo 5 nós de vento, nós ajeitavamos as velas para seguir velejando. Eu não tinha reserva de diesel para fazer toda a travessia a motor. Durante os primeiros dias o vento sempre foi manso e favorável. Dava até para tomar um gin-tônica com limão enquanto o piloto automático fazia todo o trabalho.
A animação da tripulação era intensa. Tudo saindo as mil maravilhas. O sorriso na cara da mandante diz tudo...
Ao contrário do que pensavamos não pescamos nada. Tinhamos tudo preparado para um sashimi perfeito, mas não encontramos nenhum peixe que quisesse participar do almoço. Então achavamos formas de passar o tempo. A Miriam tirou uma foto interessante, demonstrando ainda que o barco estava em mares tranquilos.
A medida que a latitude ia aumentando duas coisas começaram a acontecer com mais frequência, frio e chuva. Junto com isso sempre vem um pouco de vento. Mas nesta fase da travessia nada de novo ou assustador. Algo entre 8 e 12 nós de vento e a maior parte das vezes de sudoeste.
Algumas fotos são esclarecedoras:
A de cima é especialmente trazida para Winston (Olha o pirajá ai gente) !!!
O oceano vai ficando cinza, tanto por cima quanto por baixo. E o frio começa a fazer parte do dia a dia. Nada absurdo, mas a água do mar já não está mais a 29ºC o ventinho começa a exigir camiseta com manga, etc, etc...
Parte da diversão a bordo era a culinária. A Miriam assumiu as compras e trouxe muita coisa interessante para a travessia. Pão em lata por exemplo, peito de frango em lata, etc, etc. Tudo muito prático e suficientemente gostoso para não passarmos fome. A criatividade da mandante determinou o sucesso da culinária. Não repetimos nenhum prato durante toda a travessia, mas o campeão mesmo foi o "CINAMON ROLLS with ICING" minha nossa senhora !!! Pão de canela com cobertura de açúcar cristalizado acompanhado de capucino.
Alguns enlatados foram gratas surpresas (saborosos, cremosos, etc) outros uma porcaria, mas abriu comeu, lei do Flyer.
Outra atividade a bordo que tomava grande parte do tempo era o estudo do Rafael. Eu me transformei num professor em período integral. Em 24 dias de travessia ele fez as tarefas de 2 bimestres que estava acumulado.
O tempo passado junto com o Rafael me ajudou a parar de fumar. Assim que os cigarros acabaram a bordo eu tive que parar de fumar de verdade (a decisão de não levar cigarros era para que a decisão de parar de fumar fosse a única possível). Parei e pronto.
A rotina foi ficando cada vez mais presente, levantar, tarefas com o Rafael, verificar meteorologia, verificar posição e rumo, verificar mudança de rumo para alcançar mais vento, ajustar navegação, lavar louça, almoçar, soneca, banho, mais tarefa com Rafael, mais ajustes na navegação, mais louça para lavar, jantar, filminho a bordo, sono (profundo e tranquilo)
Os dias passavam lentamente, nossa rotina, as coisas do barco, tudo muito simples. Alias a vida é simples, nós é que nos esforçamos para deixá-la complicada e difícil...
A chegada a Flores era esperada e na ante-véspera uma surpresa...
O Rafinha pegou um convidado que resolveu ficar para jantar (alias, foi o jantar).
Flores estava na proa, não visível, chuva forte acompanhada de ventos de 20 a 24 nós e mar de 2 a 3 metros foram companheiros do último dia e noite da jornada. Eu tinha planejado chegar durante o dia, mas com todo esse vento o horário de chegada seria transferido para a madrugada. Não gosto de chegar a noite em local que não conheço, então reduzi velas o máximo para manter um pouco de controle por causa das ondas de popa, mesmo assim não conseguia seguir a menos de 5 nós.
Ao identificar as luzes de Flores eram 3 da manhã. Marquei o ponto na entrada do molhe e toquei para lá. Acabamos por chegar as 7 da manhã o que nós deu tempo para soltar âncora e dormir um pouco para depois adentrar a marina.
A travessia do Atlântico ainda não acabou, mas esta pernada foi muito bem obrigado
A dimensão da pernada dá para ver abaixo
Fim da Parte I