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Bem-vindo a nossa casa.

Aqui contamos histórias sobre nossas peripécias dando a volta ao mundo em nosso veleiro. Nós somos: Fabio, Miriam, Caio, Rafael e Cacau e não sabemos onde vamos parar, só sabemos que vamos "Para onde o vento vai".


quinta-feira, 19 de setembro de 2024

A semana do furacão DANIEL

Claro que furacão é um nome muito forte para um evento que ocorre no mediterraneo. Aqui eles chamam de Medicane (em vez de Huricane)

Um centro de baixa pressão atinge menos de 1000 hpa com um vórtice bem definido girando em sentido anti-horário com linhas de pressão formando um desenho igual ao desenho que forma um furacão no Atlântico.

Falando de nomes: Furacão e Tufão tem nomes diferentes por causa da localidade onde ocorrem enquanto um ciclone se transforma num furacão ou num tufão no momento que os ventos ultrapassam os 150 km/h.

O mediterraneo é muito pequeno para formação de um furacão ou tufão, mesmo que em certas condições os ventos locais possam passar de 150 km/h. Ventos como o Bora no inverno podem atingir até 300 Km/h mas não formam o desenho típico de um furacão.

Conhecer os regimes de vento do mediterraneo é fundamental para navegar por aqui, mesmo que você resolva pegar somente os ventos de verão, às vezes você se encontra diante de um Meltemi (vento típico do Egeu) que te quebra as pernas.

Voltando à experiência vivida em Malta. O ciclone Daniel passou ao largo do canal de Malta suficientemente perto para sua borda exterior ocidental passar sobre as ilhas. Ficamos monitorando o andamento dos ventos para entender como nos abrigar dos efeitos do Daniel.

Eu e a Miriam não gostamos de enfrentar ventos fortes atracados em Marinas então fizemos o que achamos correto fazer. Preparar o barco e procurar uma ancoragem segura (claro que isso é psicologicamente relevante mas não muito relevante sob o ponto de vista prático)

A ideia aqui é compartilhar um pouco de conhecimento náutico e situações enfrentadas no mundo real que, segundo Murphy, emprega toda a sua energia para provar que alguma coisa que pode dar errado vai dar errado no pior momento possível.

Ter em mente as lições do mestre Murphy sempre nos coloca em alerta. Não esperar que o vento diminua porque escapou a escota da genoa. E o caso típico que Murphy nos ensina: O vento vai aumentar de intensidade sempre que você estiver num veleiro e ocorrer um problema com suas velas !!!

Pode parecer cruel, mas isso é libertador. Imagine que você não está preso à crença de que algo pode melhorar. O que sobra ? Você deve fazer o que deve ser feito e pronto.

Murphy no mar é um mestre implacável, mas um bom mestre sem ser um mestre bom !!!

A estratégia é tudo neste caso. O furacão DANIEL puxou consigo ondas de 5 a 10 metros. Isso é uma tragédia no mediterraneo. A dinâmica das ondas num mar pequeno torna a navegação uma arte. Entender as ondas que começaram sua formação a uns 500 km de onde você está e perceber que outras ondas tem direção completamente oposta das ondas provenientes do furacão me fez pensar no tamanho do mediterraneo.

Um medicane começa e termina num prazo médio de 1 semana. Neste prazo ele se desloca por sobre o mar até encontrar terra e começar a perder força. Como o mediterraneo é geograficamente uma extensão de água chamada de Mar e não de Oceano, as ondas começam no mar, vão até as margens e refletem voltando sobre outras ondas que estão sendo formadas.

Considerando a baixa profundidade essas ondas têm um formato menos alongado e são mais íngremes, o que é um desastre para navegação.

Navegar um medicane não é uma boa ideia !!!

Então procuramos abrigo. O que achamos era próximo da entrada do porto de Malta (Valletta) ancorado numa pequena baía dentro do porto.

Fizemos ancoragem de proa e amarração popa. Local com profundidade de 8 metros.

Claro que Murphy tinha o que falar e falou da seguinte forma: As ondas previstas no local viriam de uma direção, mas por causa da geografia do porto estas ondas refletem internamente e se propagavam em uma outra direção, pegando o LADY BLUE de traves.

Estávamos bem ancorados e atados a terra com cabos fortes. Os primeiros dois dias do furacão foram voltados a manter as coisas em pé dentro do veleiro. Nada muito diferente do normal.

Minha experiência (quase inexistente) me disse que ali não seria confortável passar os outros dias na mesma posição, então soltamos os cabos de popa e ficamos de proa para as ondas, deixando o vento entrar de boreste.

O dondolio melhorou muito !

Com essa mudança melhorou o estado de ânimo do pessoal de bordo. Não sentimos a presença de chuvas muito fortes nem de ventos muito fortes, mas ao olhar o quebra onda do porto percebemos que as coisas estavam feias do lado de fora.

O estranho é que já ficamos várias vezes nessa ancoragem e o movimento de entrada e saída do porto é intenso durante todo o dia e toda a noite. Nestes quatro dias não vimos sequer uma embarcação deixar o porto.

Na ancoragem deixamos a razão de 8x1 entre corrente e profundidade (8 vezes a profundidade do local da ancoragem contado do bico de proa). No liame eu tenho 100m de corrente e 20 de cabo. Nunca usei a parte do cabo para ancorar.

O LADY BLUE se manteve no mesmo local relativo durante todo o evento e sentimos que nossa decisão, naquela situação, foi correta.

Em algumas marinas de Malta os incidentes e pequenos danos foram a regra. A experiência de vivenciar uma situação como essa nos mostra que a solução mais simples costuma ser a mais eficaz.

Quem vive no mar precisa ter em mente que somos insignificantes perto das forças envolvidas e essa insignificância precisa ser transformada em humildade.

"Senhor, o teu mar é tão grande e o meu barco tão pequeno!"


quinta-feira, 7 de setembro de 2023

Canal de Messina

Travessia do Canal de Messina

A trafego é tao intenso atravessando da Sicília para península ou vice e versa e o trafego de embarcações que vem do Tirreno em direção ao Iônio e vice e versa, juntamente com a corrente de mare que não segue somente uma direção e é fortemente influenciada pelos ventos e pelo fluxo e refluxo das águas que trocam os dois mares que atravessar o canal de norte a sul como fizemos precisa de alguma antecipação.

Correntes

Em primeiro lugar é necessário conhecer a corrente que nestas águas pode chegar a 5 nos ou mais dependendo do vento. Para conhecer a corrente veja o site: http://www.correntidellostretto.it

Muitos dos mitos do passado se devem exatamente as correntes que podem gerar vórtices e redemoinhos que fazem uma pequena embarcação passar por apuros...


VTS

O Controle de trafego do canal (VTS Messina) segue um procedimento definido oficialmente pela Itália. Antes de entrar na zona de trafego o operador de VHF de uma embarcação sujeita ao controle deve chamar o VTS Messina pelo VHF e fornecer informações detalhadas da embarcação, porto de origem, porto de destino, tipo de carga, numero de passageiros, etc, etc.


Isso é facultativo para embarcações com menos de 50 metros de comprimento (caso do LADY BLUE). Neste caso você pode navegar pela zona inshore (com AIS ligado se quiser) prestando muita atenção ao trafego de pescadores de peixe espada e as balsas que trafegam 24 horas por dia em quase qualquer condição de vento e mar, em um sem fim de ir e vir que você deve reconhecer para não atrapalhar o trafego do canal e não ser abordado por VHF pelo operador do VTS ou pela "Guardia Costiera".

Pesqueiro de peixe espada procurando um cardume no meio do canal


A manutenção da velocidade minima (5 nos) e o rumo certo e previsível é importante para não chamar a atenção do pessoal de controle. A travessia pode ser feita a qualquer hora do dia ou da noite, mas eu recomendo faze-la de dia para que a leitura dos movimentos das embarcações seja mais precisa.

Importante entrar no estofo de mare no sentido da travessia assim você segue a corrente quando ela esta crescente empurrando você não direção desejada.

A carta náutica é clara sob os pontos de travessia e sobre as proibições de ancoragem, mas não recomendo ancoragem no canal a menos que seu destino seja um dos portos.

Tirando estes pequenos detalhes a travessia é tranquila.


quinta-feira, 22 de abril de 2021

A única certeza é a incerteza.


Estamos nos preparando para retornar a rotina de navegação neste verão. A única certeza até agora é a incerteza.

Por causa do COVID e do trabalho eu quase esqueci o que significa alidade, nadir, marcação, zênite, amuras, etc.  Inaceitável ficar tanto tempo sem navegar. Falta sal circulando no sangue e isso reduz a expectativa de vida em vários anos...

O LADY BLUE está passando por um pente fino e várias revisões. A quantidade de detalhes e de coisas a fazer chega a ser assustadora, mas eu tenho um plano: Fazer duas coisas por dia, todos os dias, de segunda a segunda. Eu montei um esquema usando um site online chamado TRELLO. Muito legal. Me permite criar as listas e documentar o andamento das coisas com fotografias, textos e datas. Fica a dica.

Já estou nessa labuta desde que cheguei aqui na Itália em outubro de 2020.

Manter um barco com mais de 20 anos de fabricação é sempre um desafio. Peças, materiais e equipamentos sempre precisam de alguma adaptação. 100% das coisas que quebram estão fora de fabricação e o ajuste é a regra. Meu filho diz que me tornei um "gambiarrista profissional", eu prefiro dizer que sou "muito adaptável". 

O pior é a eletrônica. As mudanças nesta área são muito velozes e nem sempre mantém compatibilidade com as versões mais antigas. Uma mudança pode implicar em milhares e milhares de euros de investimento.

Uma das minhas maiores dores de cabeça é o fato do motor começar a fazer muita fumaça. A fumaça veio acompanhada de um cheiro de diesel não queimado e de cor branca. O motor perdeu potência. Os especialistas em motores diesel podem dar suas dicas, mas falei com muita gente e fiz um monte de pesquisa até que resolvi usar um líquido para limpeza dos bicos injetores e da bomba (sem desmontar nada). Agora resta somente 20% da fumaça que o motor soltava antes da limpeza. Ao mergulhar no motor percebi que os parafusos que seguram a bomba injetora não estavam fixados corretamente. Um último ajuste e acredito que o motor esteja pronto para navegar.

Resta ainda fazer a manutenção anual. Limpar o fundo, passar a venenosa, trocar os anodos, trocar óleo, filtros, etc, etc

Fora estas pequenas (gigantescas) dores de cabeça, o resto é só problema administrável mesmo. O corolário de Smith sobre a Lei de Murphy diz que se uma coisa pode dar errado, ela vai dar errado no pior momento possível, causando a maior dor de cabeça possível.

Desta forma, o que resta fazer é simplesmente manter tudo o mais arrumado e revisado de modo a ter um conjunto de coisas que você nunca pensou que daria problema, para lidar com isso quando e se acontecer.

Aos poucos as coisas vão entrando nos eixos. Estamos em abril e a temporada da navegação depende do que vai acontecer com o COVID. Aqui estamos numa ciranda maluca sem saber ao certo se teremos condição de sair de um porto e entrar em outro porto. Nossos planos e os planos das autoridades sanitárias são tão mutáveis que eu ainda não fixei nenhuma rota ou mesmo fiz qualquer pesquisa sobre o assunto.

O estranho é que, no mundo inteiro, as mortes pelo COVID são o centro da atenção. Como se não morresse mais gente de nenhuma outra forma. Todos estão preocupados, mas essa preocupação escode interesses políticos e econômicos. Não sei onde isso vai dar.

Como sempre, navegar é preciso, viver não é preciso. Claro que a precisão tem a ver com a possibilidade e por enquanto estamos navegando na incerteza.

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Navegar ou não navegar, questão complicada em tempos de COVID-19


Estou numa maratona sem fim de tentativas frustradas de voltar para o LADY BLUE na Itália. A Alitalia cancelou o voo em abril, maio, junho, julho, agosto, setembro, outubro e agora eu desisti de voltar pela Alitalia. Que vergonha de CIA aérea.

Eu preciso voltar para o LADY BLUE, para os meninos, para Cacau, para minha rotina de navegador. O sal já diluiu nas minhas veias. Já estou cansado dessa vida de terrestre. Socorro: Minha cama não balança com o vento !!!

Se as coisas entrarem nos eixos, voltamos para Itália em Novembro/2020. Precisamos fazer uma revisão detalhada do LADY BLUE, especialmente do motor, estaiamento e velas. Não dá para sair para o mar sem uma boa expectativa de voltar por conta própria.

O tempo está passando e junto com ele a paciência para aguentar essa loucura que está sendo o COVID-19 ao redor do mundo. Não parece doença, acho que é muito pior que doença, acho que é politica. E tem tanto gente que acredita em quase tudo sobre isso que me assusta avisar o povo que as pessoas morrem mesmo... É o ciclo da vida: Nascer, Viver, Morrer... A questão relevante aqui é: Quanto tempo você navegou entre o primeiro e o último evento de sua vida ?

De qualquer forma eu perguntei para meu clinico geral sobre quais as precauções que eu devo tomar em relação ao COVID-19 e ele brincou comigo dizendo o seguinte: Disso eu não si muito bem porque eu não me meto com política.

De qualquer forma, meus filhos estão sozinhos na Itália e eu estou impossibilitado de voltar para casa porque eu sou italiano mas estou no Brasil.

terça-feira, 5 de julho de 2016

E a vida continua !!!

O tempo nao passa nem voa. Eu acredito que o tempo é sempre subjetivo. Afinal quanto é longo um minutinho ? Tudo depende de que lado da porta do banheiro vc esta, né ?

Com base nesse argumento quase cientifico, eu me vejo na obrigaçao de relatar os ultimos acontecimentos do final do inverno. Trabalhei como um cavalo de carga, lixando o casco, pintando o fundo (3 maos) trocando anodos, instalando o novo piloto automatico, trocando bateria da helice de proa e tantos outros pequenos trabalhos que o tempo sempre foi mais rapido e mais curto que o necessario.

O que importa eh que hoje, em algum momento do dia, depois que a Miriam der o clearence de partida, nos começamos nossa estaçao de navegaçao.

Eu estou esperando isso desde o ano passado. O que importa agora eh que vamos para o mar, ancoragens e paisagens que so quem navega tem noçao da dimensao e da beleza. Uma vida diversa daquela vida de trabalho, trabalho e mais trabalho. Uma vida simples. Desta vez vamos somente eu, Miriam e Rafael. O Caio arrumou emprego de LIFEGUARD (Bagnino) por Licata e vai ficar em terra tomando conta dos italianos que vao a praia. Nos deixamos o apto em Licata e fizemos a mudança para o LADY BLUE e a Miriam trabalhou como sempre para deixar a nossa casa flutuante um brico e assim ficou. Agora resta fazer o que nos resta fazer. Navegar.

Com este pensamento em mente, permanece o registro. Hoje é o dia que voltamos a ser navegantes !

quarta-feira, 15 de julho de 2015

Medo e coragem

Com o tempo, tempo longo no meu caso, aprendemos a entender nosso medo e nossa aversao ao risco e ao desconforto. Uma vida de navegante é uma vida que deve ser vivida segundo os principios da simplicidade e da segurança. Existe até uma maxima que determina o principio que deve ser seguido por todos os navegantes: KISS (Keep it Stupid Simple ou, no meu caso depois de aprender um tanto pode ser lido como (Keep it Simple, Stupid)

Onde entra o medo e onde entra a coragem? O medo é seu aliado, a coragem é sua inimiga. Voce nunca é mais forte que os elementos isso pode ser aprendido de diversas formas, todas elas bem doloridas e custosas. Minha reflexao nao vai aproximar voce que esta lendo da verdade, so vai me permitir o prazer de dizer em voz alta: EU TE DISSE e a elegancia de guardar este prazer so para meu uso pessoal.

Agora vamos ponderar um pouco. O medo nao deve ser um aliado muito proximo, nem a coragem uma inimiga muito temida. Use o bom senso, afinal se voce perguntar para qualquer ser humano em qualquer lugar do mundo sobre sua propria dotaçao de bom senso voce percebera que a coisa mais bem distribuida entre todos é exatamente aquela que faz falta no momento de maior dificuldade (exatamente o bom senso) !!!

Bom senso se constroi. Tenha medo, mas va adiante, navegue no contravento somente enquanto for prazeroso, caso contrario troque o destino. O que importa é o caminho e o que importa ainda mais que o caminho é chegar !!! Sempre é melhor chegar que nao chegar. Outra frase que descreve muito bem o prazer de navegar é que ele começa quando vc se faz ao mar e tem seu climax quando voce atraca, amarra ou solta a ancora... Um trajetoria singrada com sabedoria tem, inicio, meio e fim !!!

Essa é uma liçao que deve ser repetida sempre e aprendida pela experiencia dos outros.

Voltando ao dia a dia.

Afastado que estive do blog voltei ao Brasil para trabalhar e ajustar os negocios. O Brasil nao esta bem de saude e as coisas podem piorar ainda mais, mas agora nao é hora de trabalhar. Agora é hora de navegar. O verao europeu chegou com força. O calor e o sol onipresentes fornecem combustivel para um regime de ventos interessante que começa perto do meio dia e termina perto das oito horas da noite (Isso vale para todos os dias, menos para aqueles dias em que isso nao acontece - bem-vindo ao Mediterraneo). Com este regime saimos de Licata passeando pelo Canal da Sicilia até chegar no Tirreno Meridional Oeste. Na ponta da Sicilia nos deparamos com as ilhas Egadi ( Estou novamente na Sicilia fazendo a circunavegaçao e descobrindo uma Italia um pouco diferente da que eu conheço e muito diferente da Italia do Norte.

Uma perola aqui, outra ali, encontramos uma reserva marinha onde voce nao pode fazer nada, mas se pagar por uma poita voce pode fazer tudo... Isso me lembra tanto o Brasil... mas navegar nestas aguas e neste regime de ventos é diferente de navegar pelo Brasil. A radio aqui é onipresente em Italiano e num ingles mecanico ditado por um computador que dita a situaçao dos ventos e do mar nos diversos departamentos italianos e nos diversos mares que banham a italia. "Avisi di burrasca no vuakaefe (VHF para os incautos...)"

Navegar 5 horas, chegar, soltar ancora, nadar, levar Cacau para passear, conversar, churrasquear, dormir. Repetir a rotina... Isso acaba ficando uma vidinha mais ou menos... Rapidinho a gente se acostuma com esta simplicidade. Em San Vito lo Capo encontramos a temperatura da agua a 27.5C... Do lado de fora fazendo 35C. Mas a vida nao é so uma soma de prazeres mundanos, como um bom vinho italiano, uma boa pizza ou algum milagre culinario da Miriam. De tanto em tanto algum reparo aqui, algum ajuste ali (afinal estamos num veleiro e sempre tem alguma coisa para reparar).

A agua !!! Esta é outra coisa impressionante para quem navega por estas bandas. Basta fazer a curva e sair do canal da Sicilia que a agua ja começa a ficar transparente ... Numa das primeiras ancoragens o Caio gritou da proa "ta bom aqui, estou vendo o fundo" e eu falei, ainda nao, tem mais de 10 metros abaixo da quilha !!! e a gente vai se acostumando com a mudança.

Mudança é a regra de vida de quem vive no mar. O vento muda, o mar muda, e nos, mudamos também. Em alguns lugares o dia passa devagar e voce vai na mesma, em outros lugares vc chega e sai rapidinho sem perceber o que aconteceu com o dia !!! O tempo tem outra dimensao por estas aguas !!!

Nesta época é bem seguro navegar por aqui, mas as borrascas sempre devem ser acompanhadas de perto e especialmente por causa das caracteristicas do fundo desta regiao. As ondas que se formam aqui tem periodo muito curto, isso provoca um forte desconforto com muito balanço. Evitar, sempre que possivel, caso contrario achar abrigo e esperar a borrasca passar. Claro que para alguns somente mar ruim faz bom marinheiro, mas para nos que vivemos a bordo, pegar mar ruim é uma opçao e nao um acidente. Aprendemos a ficar quando devemos ficar e sair quando devemos sair.

E, para lembrar sempre nosso lema. Para onde vamos ? Para onde o vento vai ... Sem pressa !!!

PS: Faltam acentos, mas eles estao faltando no meu teclado italiano !!!

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Um pouco de história ... "Nasce um mar"

Faz um bom tempo que eu percebi o tamanho de minha ignorância... Ainda tenho o indício da prepotência e da arrogância no meu comportamento, mas o tempo se encarregará de removê-lo de todo. Toda aquela certeza que eu tinha quando era adolescente se transformou em paz de espírito e agora, ainda que com sérias recaídas eu sou capaz de responder com o queixo erguido que "NÃO SEI" sem que isso represente o fim do mundo. 

"Eu simplesmente não sei muito mais do que tudo que eu já aprendi"

O aprendizado vem de todos os lugares, dos mais nobres doutores ao mais singelos senhores. Para nós, marinheiros, a natureza também nos ensina importantes e severas lições, aprendidas com uma mistura de medo e regozijo. Os ventos e os mares são bons professores !!! Mas afinal, tempo bom não faz bom marinheiro, eu sigo em frente com essa missão que aprender um pouco a cada lugar por onde vamos. Aprender um pouco de história, um pouco de geografia, um pouco de línguas, um pouco de costumes, etc, etc, etc

Com isto em mente eu trago, para aqueles interessados, um pouco da história do mar mais navegado da história. De nosso amigo Elio Somaschini que autorizou a publicação segue "Nasce um mar ... "

Uma história para pensar

Navegar no Mediterrâneo não é fácil. Esse pequeno grande mar exige muito conhecimento e qualidades marinheiras por parte de quem se aventura nele. Sua história está intimamente ligada com a nossa existência e conhecê-la nos faz entender muitas coisas sobre a cultura ocidental.

O nascimento de um mar

Quando a Terra se formou e esfriou, bem depois de um enorme asteroide ter se chocado com ela e arrancado um pedaço e que hoje se chama Lua, existia um enorme continente primogênito, denominado Gondwana, circundado por água. Há cerca de 200 milhões de anos ele começou a romper-se e as enormes massas continentais se formaram. Há 90 milhões de anos, quando so dinossáuros dominavam o planeta, Eurásia e América do Norte estavam quase juntas enquanto a América do Sul, África, Antártida, Índia e Austrália já iam chegando próximas das posições atuais.
O Atlântico e o Pacífico estavam nascendo assim como um enorme braço de mar que separava África de Eurásia (indo de oeste para leste) chamado Tetis. 60 milhões de anos atrás, a época da extinção dos dinossáuros, o planeta já começava a se parecer com o que é agora, mas as américas ainda não se haviam unido e o mar de Tetis continuava conectando o Atlântico com o que hoje chamaos de Índico.

Há 24 milhões de anos atrás a África estava se movendo em direção à Ásia e foi fechando esse mar até que, cerca de 12 milhões de anos atrás ele desapareceu quase completamente. Sobraram, após mais cinco milhões de anos de movimentos, um mar aprisonado entre África e Ásia, que é o atual Mar Vermelho, e um outro mar preso no interior, que é o atual Mediterrâneo. Eis que, cerca de 6,75 milhões de anos atrás, as coisas começaram a acontecer de maneira rápida (em termos geológicos) e violentas. Veio a glaciação e com ela a retração das águas. O Atlântico abaixou o seu nível e deixou de aportar água ao Mediterrâneo. O Mediterrâneo foi secando e, por causa das fortes evaporações, o nível das águas ficou cerca de 1.500 metros abaixo do nível atual.

Sobraram algumas manchas de água salobra espalhadas dentro da região mediterrânea que se assemelhariam muito ao atual Mar Morto. É fácil entender a violenta e rápida devastação que ocorreu no Mediterrâneo se atentarmos ao detalhe que, hoje em dia, em época muito mais chuvosa do que aquela, o Atlântico joga todo ano cerca de 2.400 quilômetros cúbicos de água, sem contar a que vem do Mar Negro. Lembre-se que um metro cúbico de água são mil litros e que pesam uma tonelada. Isso da uma visão clara de quanto o Mediterrâneo é deficitário.

A África sofria enormes diminuições em suas florestas e grandes savanas começaram a surgir. Alguns animais tiveram que adaptar-se a essa mudança e tiveram que descer das árvores e caminhar pelas savanas em busca de alimento. É interessante notar que a mesma crise que provocou a morte do Mediterrâneo também propiciou o aparecimento do Australopithecos (que em grego significa macaco do sul)há seis milhões de anos. A Terra estava terminando mais um ciclo glacial. Água no estado líquido era escassa, especialmente nessas latitudes ou superiores. A que existia estava congelada, os mares e oceanos retraidos.

Passaram-se cerca de trezentos mil anos para que os gelos começassem a se derreter e o Atlântico pudesse superar o umbral de Gibraltar e jogar água para dentro da ressecada concha.
Iniciando a era de aquecimento, esse gêlo que começa a se derreter faz o nível dos oceanos subir e as primeiras ondas começam a passar por cima das rochas do estreito de Gibraltar e aos poucos vão derrubando aquela fina barreira de pedras. O volume de água que invade o Mediterrâneo começa a aumentar e derrubar mais rochas daquela barreira até que uma violenta cachoeira se forma trazendo milhões de metros cúbicos de água para dentro.

Há dados muito controversos sobre esse volme de água, os mais conservadores indicando um volume  400 vezes maiores que o atual Niágara fluindo durante mil anos, até extremos, com dados coletados em 2009, que indicam que o enchimento durou apenas dois anos(!), o que tornaria muito mais violento e grandioso o processo, cerca de 20 mil vezes maior que o Niagara. Seja qual for o mais correto, imaginar esse volume de água irrompendo naquela estreita garganta, nos dá uma imagem dantesca da força da natureza.

O que é considerado consenso entre os cientistas é a duração de 1 mil anos. O nível da concha ocidental sobe, se une à oriental, e começa a criar os contornos do mar que conhecemos atualmente. Não tivemos a honra de apreciar esse espetáculo de magnitude, violência e beleza sem igual . O Homo ainda não havia surgido no planeta. A era em que esses fatos aconteceram recebe o nome de Messinense pois foi no estreito de Messina que foram encontradas as primeiras pistas que permitiram aos geólogos reconstruir o passado.

O movimento das placas da Eurásia criou uma fratura que permitiu que as águas de um mar aprisionado pudessem desafogar através do que hoje é o Bósforo, o Mar de Marmara e Dardaneles e desaguassem no Mediterrâneo. Esse mar aprisionado é o Mar Negro que, com seus três metros de nível acima do Mediterrâneo, leva constantemente água que recebe de rios como o Danúbio criando uma corrente que nos estreitos chega a manter velocidades de cinco nós. 

Montanhas ficaram submersas e outras conseguiram manter suas partes mais altas acima do nível da água, criando as maravilhosas ilhas que conhecemos. O Mediterrâneo tem mais água evaporando do que a recebida pelas dezenas de rios e por Dardaneles, com que há um fluxo constante de água do Oceano Atlântico para dentro por Gibraltar. Desde então, com as diferentes variações climáticas, o nível do Mediterrâneo tem oscilado entre cerca de 200 metros acima até cerca de 150 metros abaixo do nível atual. Como o estreito de Gibraltar tem profundidade de 400 metros, isso indica que ele nunca mais deixou de receber água do Atlântico. O jovem mar cresce e se define

Foi no início do Pleistocênico, cerca de 2,5 milhões de anos atrás, que apareceram os primeiros verdadeiros representantes do Homo, ou seja seres bípedes capazes de fabricar toscas ferramentas de pedra. Não eram valentes caçadores, ao contrário, por serem animáis desprovidos de garras ou dentes forte, sobreviviam despedaçando restos de animais mortos com suas toscas pedras. A cadeia evolutiva nos leva ao Homo Habilis e depois ao mais agressivo e nômade Homo Erectus que já coloniza a Eurásia e finalmente no Homo Sapiens, que somos nós.

É interessante notar que um ramo desses hominidios se desenvolveu de maneira independente na Europa durante as glaciações originando o conhecido homem de Neardenthal, um grande caçador, muito bem adaptado ao frio e com um cérebro maior que o nosso, enquanto na África apareceriam mais tarde os homens anatômicamente modernos, os Homo Sapiens.

Cerca de 2,5 milhões de anos atrás as coisas começaram a ficar agitadas de novo, porém sem a violência anterior, e começou o período denominado Pleistoceno (em grego Pleisto significa mais recente, portanto o cenário mais recente),quando finalizou a última glaciação. Nesse período houveram 17 glaciações e respectivos degelos.

Como se tudo isso não fosse suficiente para criarmos um filme cheio de aventuras em nossas cabeça, somemos o fato que existem os movimentos tectônicos que ainda ocorrem! As evidências são fortes. Existem plataformas marinhas, na Turquia, que se encontram a mais de 100 metros acima do nível do mar. Há ruínas da época heleníca que estão submergidas na costa meridional turca e as columnas de Pozzuoli (Nápoles) que mostram sinais de terem ficado submersas pelas águas do mar por muitos séculos e agora estão lá, metros acima, para todos verem!

O primeiro movimento é o das placas da Eurásia e da África do norte. Essa última se move cerca de dois centímetros por ano em direção ao norte. Para complicar o cenário, existem duas pequenas placas, uma denominada Arábiga, que se move em direção ao norte como a África, e outra a Anatólica, onde está a Turquia, que se move em direção sudoeste cerca de 4 a 5 cm por ano, que afundam sob a placa africana na região abissal de Heródoto até o sul da Grécia. Claro que isso provoca terremotos e o surgimento de vulcões em toda a região. Aquilo que os turistas gostam de ver é na verdade uma bomba relógio pronta a explodir a qualquer momento.

Os vulcões de Santorini, Etna, Stromboli e Vesúvio estão ativos. Terremotos são uma constante. As tão apreciadas ilhas Ciclades, cartão postal da Grécia, com suas casas brancas e portas e janelas azuis, são o que restou acima do nível do mar de um vulcão que provocou a maior erupção que a umanidade registrou, quatro  vezes mais forte que o de Cracatoa, e que deixou o céu negro por meses e meses, com chuvas constantes e espalhando morte, inundações e destruição não somente no médio oriente.

O terremoto de Messina de 1908 matou mais de 80 mil pessoas, o triste terremoto de Atenas na década de 80 matou milhares e eles provocam movimentos de subida ou afundamento de grande extensões de terra. Os vulcões também foram causa de desastres. O Etna destruiu Catânia, o Vesúvio destruiu Herculano e Pompéia, mas as pessoas parece não se preocuparem com isso. O Stromboli é o mais ativo, com lav constantemente saindo de suas bocas e os italianos vivem nessa minúscula ilha com lava sempre escorrendo. Navegar à noite em suas proximidades é inesquecível.

Catânia foi reconstruida e, seus abitantes chamam o vulcão de La vecchia Signora e vivem nas suas encostas com os picos nevados a 3340 metros de altura e a fumaça saindo constantemente de seu topo. Sem dúvida o mais dramático de todos talvez seja o vulcão Thira, na ilha que os italianos chamavam de Santa Irene e que agora os gregos e o mundo conhecem como Santorini, no mar Egeu. Entrar em Santorini com o veleiro constitui uma experiência única.

Aquilo que parece ser uma ilha grega comum, com rípidas pendentes salpicadass de casas brancas, se transforma numa paisagem de sonho e pesadelo ao mesmo tempo. Passar entre a ilha principal e uma pequena ilha vizinha,com aquelas casas brancas agarradas nas encostas da enorme caldeira inundada com lava multicolorida escorrendo num fundo de mar de rápidas variações, é de manter os cabelos eriçados a qualquer velejador. O tamanho da cratera principal é de4 a 5 quilômetros de largura, com paredes rípidas a pico e que descem a profundidades de até 400 metros.

A água tem uma cor azul cobalto e o contraste com as paredes avermelhadas, ocres e esbranquiçadas, coroadas pelos pequenos povoados na beira do abismo impressiona. Foi esse vulcão que produziu, cerca de 1.600 anos A.C. a maior catástrofe que o homem recorda. A erupção lançou ao ar milhões de toneladas de material pulverizado e criou um tsunami gigantesco que percorreu todo o Mediterrâneo. Na cidade de Akrotiri a população teve tempo de escapar e as cinzas cobriram tudo, permitindo que, pouco menos de 50 anos atrás, geólogos gregos descobrissem essa cidade e pudessem encontrar intactos maravilhosos afrescos e todas as casas, aumentando notavelmente nossos conhecimentos sobre a cultura e a forma de vida daquele povo. Pedra pome ejetada pelo vulcão recobria terrços situados cerca de 5 metros acima do nível atual do mar.

O Homo do Mediterrâneo sabe bem o que é viver com a natureza jogando contra e preparando surpresas. Variações de nível de água de 150 metros fazem sorrir quando nos mostramos preocupados com as variações de 5 a 10 metros estimadas para os próximos séculos, mas o Homo Sapiens sabe se adaptar.  

quarta-feira, 30 de julho de 2014

Paradigmas de gelatina

1000 anos e o ser humano tinha certeza que estava no centro do universo. 500 anos e a certeza de que a terra era plana. 100 anos e a certeza de que seria impossível voar ...

O que impressiona é que os paradigmas dão aos fracos de espirito o sentimento de estarem certos. O paradigma nada mais é que um prego colocado na gelatina. Não vai resistir por muito tempo. Quando você vive preso a rotina e a seus hábitos em terra você sonha que um dia vai se livrar de tudo e vai sair a navegar por ai conhecendo o mundo. Quando você realmente consegue fazer isso você fica impressionado porque demorou tanto para começar... São os paradigmas de gelatina que te seguravam na terra !!!

A vida é simples. O difícil é ver a simplicidade !!! Vejamos. Camisetas brancas que nossas esposas odeiam porque são muito requenguelas, com furos e sempre parecem encardidas. Então: Ser simples é poder usar esta camiseta porque é, de longe, a mais confortável que já usamos em nossas vidas (mas só em ancoragens temos permissão para usufruir do prazer desta simplicidade - que venham as ancoragens ...)

Estamos no segundo dia de espera. Esperamos que o Meltemi dê uma brecha para continuar a navegar. Traje oficial:  short longo de elástico na barriga com camiseta de furta cor (porque alguém furtou a cor dela faz uns 5 anos) manchada de cândida e dois furos na barriga. Me sinto o rei, conforto que só... 

Estamos em uma ilha deserta ao lado de Delos (Grécia) em uma baia de águas turquesas sem intervenção ou presença humana. Sem luz, iluminada somente pelas estrelas (e aqui tem internet...) Ontem recebemos a notícia que haveria uma chuva de meteoros e investimos um pouco de nosso tempo noturno para deitar à proa e olhar o céu... 

Quando você fixa um ponto no céu em um veleiro que balança ao sabor do vento você tem a certeza de ser o centro do universo. Tudo gira em torno do ponto que você está olhando. Agora eu entendo os antigos !!!

Falando um pouco de como é navegar pelo mediterrâneo...  Vou começar aos poucos. Sabe a noção de aventura, de fazer algo que ninguém jamais fez, de se sentir único e sozinho, pois é, aqui você não vai sentir nada disso. São milhares e milhares de Credicard Sailors (Para empresa de charter o cartão de crédito é habilitação suficiente) fazendo todo tipo de atrocidade e barbaridade na navegação. Cruzar corrente é um fato da vida por aqui. Ir embora da ancoragem levando um ou dois a reboque também. Alias a quantidade de fatos da vida que eu tenho encontrado por aqui me deixam ainda mais aflito por achar ancoragens tranquilas. Outro fato da vida é que você sempre vai achar um Mega Yacht em cada lugar. Alias a Miriam estabeleceu uma classificação para este tipo de barco, Mega, Puta e Giga. O Puta Yacht é o intermediário entre o Mega e o Giga... Temos vistos muitos destes por ai. Os giga são um tanto mais escassos, mas em Atenas tinha de monte !!! 

Planejar a navegação é basicamente saber se terá ou não Meltemi e qual a força do bichano, que em geral varia de 15 a 40 kts, mas pode chegar a 50 kts em Agosto (alguns dizem que até mais forte que isso). Como estratégia é sempre bom você ganhar o máximo de norte no começo da temporada para depois ir descendo com o Meltemi.

Ancoragem é sempre um desafio para os novatos no med como eu. Agora eu começo a aceitar que não tem outro jeito. Tenho que soltar âncora e correr um cabo até a terra para amarrar a popa. Já fiz isso uma vez numa baia que por ai no Brasil você colocava no máximo uns 5 veleiros e quando eu cheguei já tinham 10 bem ancorados... Não não tem espaço para mais nada. As ancoragens podem ser classificadas como: 1: Muito cheias, 2: Lotadas, mas se tiver mesmo sorte e o tempo estiver ruim para os Credicard Sailors navegarem, então você pode achar uma ou outra ancoragem com espaço livre !!! (Menos em Mykonos)

Sabe aquela foto de seu barco ancorado num lugar e a sombra do seu barco ancorada no mesmo lugar ? Pois é, deve ter sido inventada por aqui, porque é quase sempre assim... exceto quando você não tem espaço na ancoragem nem para trazer sua sombra junto de você !!!

Nas Cyclades, os lugares são áridos, ventosos e muito bonitos. As cidades são charmosas e o custo de ir para o porto é quase igual a zero (especialmente nas ilhas pequenas). Na última eu paguei 2.18 (euros) por uma noite por causa da eletricidade. Existem marinas onde você pode pagar até uns 50 euros por noite (fora água e luz). Os sítios arqueológicos são tão comuns e você respira história quase o tempo todo. Aqui tudo parece antigo.

Com base no que tenho visto por aqui, eu acredito que para você conhecer bem a Grécia são suficientes uns 10 anos... e ao pessoal que me pede para comparar Grécia com o Caribe eu só tenho a dizer: Eu não faço esta comparação, seria injusto com o Caribe !!!



domingo, 16 de junho de 2013

Onde fica nossa casa ?

Sou velejador, mas sou tantas outras coisas além disso que uma definição sempre será um tanto limitante e vaga. Se me defino pelo que gosto de fazer, dizer que sou velejador é dizer que gosto mais de velejar que fazer outras coisas. Isso também não é justo. Eu sou um daqueles que estabelece objetivos e vai atrás. Isso é quase certo, porque também tenho um pouco de preguiça congenita, mas isso não me impede de estabelecer objetivos e ter sonhos.

O engraçado é que eu aprendi que parte do segredo de ser feliz é colocar seus sonhos e objetivos onde você possa alcança-los e escolher alguém para viver com você que fará de tudo para que você seja capaz de fazê-lo. A vida fica tão mais simples assim. E assim eu fiz. Meus sonhos, juntamente com os sonhos da Miriam foram colocados em lugares acessíveis. Para facilitar ainda mais nossa vida, transformamos sonhos em objetivos. Objetivo é uma coisa que você pode marcar data, alocar orçamento, prever e planejar. Quando alcançado você pode dizer que realizou um sonho, que é algo um tanto intangível...

Realizamos um sonho ao viver na Italia por mais de 9 meses. Agora somos Ítalo-Brasileiros. Cidadãos em um continente em que esse conceito é levado a sério. Deixamos nosso amado LADY BLUE na Sicilia e viemos para Segusino ( um lugarejo perto de Treviso e Venezia ) que para nós passou a ser o nosso centro do mundo.

Andamos muito de carro pela Italia ( que é lindíssima ). Descobrimos mais sobre nossas raizes e nossos antepassados. Conhecemos nossas familias italianas, tanto a minha quanto a da Miriam. Pessoas especiais que vão conosco onde formos. Descobrimos mais sobre nós mesmos. O Caio e o Rafa em franco processo de amadurecimento parecendo mata-borrão...

Vimos o lado bom mas também percebemos que existe um lado ruim. Parece que em todas as coisas existe um lado bom e um lado ruim. Assim é também a Europa como assim é também o Brasil.

Agora é hora de deixar a Italia e voltar a rotina de viver a bordo. O próximo objetivo está estabelecido. Vamos planejar para realizá-lo.

Resta ainda saber como vai ficar o coração com a despedida. A casa na Italia fica para trás como ficou a casa no Brasil.

Na verdade essa é uma pergunta irrelevante: Sua casa é seu abrigo. Seu lar é onde se encontra você com sua família. Eu tenho o privilégio de viver com minha família compartilhando os momentos que a vida nos oferece... e que privilégio !!!

A vida continua e dentro em breve voltamos para o LADY BLUE.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Ventos Mediterrâneos, vida nova, mares antigos

Navegar no Mediterrâneo é um misto de desafio e prazer. A noção muito difundida de que aqui ou não tem vento ou tem vento demais é uma verdade com a qual você deve aprender a lidar.

A mudança de barco do FLYER para o LADY BLUE foi rapidamente absorvida, o mais difícil é sair do Atlântico e entrar num dos mares mais navegados da história.

Tem luz para todo o lado. Algumas zonas são tão navegadas que ao largo parece que você está numa via férrea. E quase todos estes monstros são perigosos !!! Cada um deles se mostra como se fosse seu Kraken pessoal, fazendo barulho e perseguindo-o seja qual for o rumo adotado. Isso faz com que as doces e maravilhosas noites de travessia do Atlântico fossem transformadas em noites de vigília e muita atenção.

Da mesma forma que o rádio VHF parece falar um idioma que é uma mistura de russo com inglês falando por um Tailandês nascido no Egito !!! Minha nossa !!! Demorou uma eternidade para eu entender o que o sujeito estava falando: XANG TU CHANEL TUENTI TU, TU TU !!!

E as famosas ondas mediterrâneas são exatamente da forma que se descreve na literatura. Uma vem junto com a outra, mas de diferentes direções e intensidades, sempre íngremes. Quem não gosta de ouvir a proa bater duro levantando água para todo o lado, deve navegar em outro lugar...

O vento parece ter um lema próprio: vou te ajudar agora, mas depois vou cobrar o preço desta ajuda. Que saudades dos Alísios, que saudade dos Trade Winds... Na travessia para o Brasil nos ajustamos as velas abaixo de Cabo Verde e só olhamos para elas outra vez perto de Salvador. Aqui você ajusta as velas a cada mudança de humor do vento, e o vento aqui tem o humor de uma velha senhora rancorosa.

Com o tempo, com tempo mesmo, vou me ajustando a navegação por aqui. A grande vantagem é que tem PORTO para tudo que é lado. Acho que deve ser um dos lugares mais recheados de porto que existem na face da terra. Se a coisa pega, é só arribar para um deles e preparar suas economias para gastar os tufos para ficar por aqui...

Em Ibiza uma marina tinha um preço que passava de 200 Euros por dia. Em Mayorca eu tive que ir para uma Marina para pegar água, combustível  suprimentos e um pouco de ar condicionado, nada exagerado, só uma noite, e gastei a bagatela de 130 Euros, mas afinal eu não estou reclamando, só estou descrevendo alguns fatos da vida. Mediterrâneo é mar para gente rica, ou para quem gosta de ficar ancorado, que virou meu caso (com certeza).

O clima aqui é maravilhoso e muito bem definido. De Setembro para frente é sempre bom olhar para meteorologia todos os dias, mesmo ancorado, porque é comum as borrascas de outono te pegarem desprevenido onde você estiver. Mas esta tarefa é mais uma daquelas inglórias nas quais você olha para as previsões e deve estar sempre preparado, porque o índice de acerto por aqui é baixo. Nesta época já se deve procurar um lugar para invernar o veleiro.

Nós pegamos uma dica do Manoel e viemos parar na Sicilia. Marina de Ragusa. Obrigado Manoel pela dica. Aqui achamos uma Marina muito bem equipada, bem protegida e perto de uma cidadezinha agradável, mas o mais incrível é que para deixar o LADY BLUE aqui no inverno você paga algo como 1100 Euros para 7 meses de estadia. Se quiser deixar no seco sai por 1900 Euros.

O LADY BLUE vai ficar por aqui.

Nossa viagem até chegar aqui foi uma viagem de descoberta. Saímos de Gibraltar depois de um churrasco de despedida de nossos amigos de lá, com proa para Ibiza onde encontraríamos outros amigos Ronny e Enoque do veleiro Luar. Foi uma travessia para dar um abraço e bater um papo (e para aprender com os dois) que estão sempre prontos para ajudar.

O vento Ponente que entrava pelo canal parecia bem generoso e constante. E foi realmente necessário. O mediterrâneo não é um mar de marés e correntes, a variação nunca é muito maior que 20 cm, mas quando tem vento ou uma depressão ao largo, isso muda. Corrente e maré acompanham o vento, com exceção do estreito de Gibraltar por causa da influência do Atlântico. Se sair a esmo, vai voltar para o porto. Não vence mesmo a força dos elementos no Canal. Mas como as variações são de 6 em 6 horas, você tem uma janela de tempo apertada para se afastar o máximo que puder da influência do Atlântico. Uma vez que você pega o ponente, você entra no Mediterrâneo em grande estilo: Velejando !!! de 20 a 25 kts de vento de alheta. Nossa primeira travessia para Ibiza começa bem, mas o vento não dura muito e começa a rotina de motorar, colocar vela, retirar vela, motorar outra vez, colocar gennaker, tirar gennaker, motorar, etc,etc, etc

Chegamos. Os dias em Ibiza foram passando. Ficar vestido na praia parece algo fora de moda. Nós resistimos. Visitamos nossos amigos e ficamos de olho na Meteorologia para a próxima travessia. Nosso objetivo era sair dali para Itália. Temos que chegar logo na Itália para fazer os papeis... Recebemos uma dica do Ronny sobre uma loja náutica boa em Mayorca, e como loja náutica é shopping de homem, eu marquei o rumo e fomos para lá. Um dia de marina, comprar algumas coisinhas na loja e pronto.

Aviso de Tempestade no Atlântico fazendo estrago (Nadine). Sempre que colocam nome de mulher num evento meteorológico a coisa vai ficar feia. Hora de sair dali e atravessar o Mediterrâneo antes as coisas ficassem feias de verdade.

A travessia para Sicília foi decidida porque havia previsão de várias tormentas no VHF dadas pelos serviços meteorológicos da Espanha. Sardenha fica para volta. Vamos para Sicília mesmo. A terra da Máfia. A terra com cara de Itália. Nossa Itália. A Itália para visitar de barco. Minhas origens estão nestas terras. Entrar no Canal da Sicília é uma loteria. O vento mais chato é o Siroco. E ele estava lá nos esperando. Assim que aproamos ele disse, aqui não Juvenal. 25 nós na cara o tempo todo, na verdade as vezes 30, as vezes 20. Não interessa o bordo que você escolhe, ele sempre vem na cara.

Motor, vela, remo e até abanador na popa para fazer o Lady Blue andar a 3.5 kt de VMG. E o Siroco tinha previsão de ficar assim por mais de uma semana. Então nada a fazer. Subir devagar, arrastado mesmo, mas com o destino fixado, o marinheiro vai e pronto.

Chegamos. Primeira impressões, primeiros cheiros, primeiros gostos, as frases faladas como se fossem cantadas. Como é gostoso ouvir o Italiano sendo falado, entretando quando buscavamos águas menos profundas nos aproximamos da costa só para notar que havia um barulho diferente no ar. Parecia barulho de fogos de artificio, mas não, o som era muito parecido com o som emitido pelo videogame do Rafael. O que ouvimos foi um tiroteio de metralhadora. Tiroteio pesado mesmo. Algo impressionante... Vamos para águas mais profundas outra vez. Para tranquilizar as crianças eu falei que aquilo era um treinamento do exército Italiano, querendo, do fundo do meu coração acreditar nisso !!!

O episódio foi esquecido assim que chegamos na Marina de Ragusa. Aqui vai outra dica interessante, Olhando nas cartas náuticas você encontra Marina para todo o lado na Itália. Santa ignorância. Marina é o nome que se dá a parte da vila que fica a beira mar. Em muitos lugares você só vai encontrar um porto de pescadores simples, em outras marinas, nem isso, mas a Marina de Ragusa parece que foi construída faz pouco. Tudo novo, os cunhos ainda nem estão oxidados. A recepção nos deu a opção de invernar aqui e cuidou de toda a papelada.

Neste momento a Miriam prepara um macarrão ao Pesto com uma pitada de Anchovas, estou com umas cervejas no congelador e uma baita vontade de ficar olhando o tempo passar devagar.




quarta-feira, 25 de abril de 2012

Fechamento do ciclo

A viagem começa com o primeiro passo. O passo de foro íntimo. Interno, motivador, criador da mudança.

Enrijecemos na expectativa de problemas e não temos a oportunidade de vivenciá-los. A vida ensina através dos acertos, mas são nos erros onde as lições que permanecem com mais vigor em nossas memórias estão sempre presentes. Então cometa erros, mas faça, dê o primeiro passo !!! Corte as amarras que prendem você a vida que você gostaria de mudar.

Agora encerramos o primeiro ciclo de nossa volta ao mundo em família. A viagem de circunavegação do Atlântico que eu, Miriam, Caio e Rafael fizemos ao longo dos anos de 2010, 2011 e 2012. O Ciclo se encerrou com duas palestras que proferimos no Rio Boat Show e na ABVC (Centro Cultural da Marinha).

Durante a viagem colecionamos mais de 10000 fotografias. Como uma imagem fala mais do que 1000 palavras, abaixo contamos um pequeno pedaço da história. No facebook você pode encontrar o álbum completo com as fotos selecionadas para as palestras.

Espero que vocês gostem e resolvam dar o primeiro passo

Búzios - Veleiros ancorados


Vitória - Regata


Ilhéus - Paella de banana com carne de Sol


Morro de São Paulo


Salvador - Vista do Tenab


Fernando de Noronha


Ilha de Lençóis- Maranhão


Trinidad - Plataforma num mar de azeite


Union Island


Tobago Cays


S.Vincent - Cenário de Piratas do Caribe


Guadalupe - Esse veleiro não aderna


Canouan - Pier de chegada


S.Barth - Veleiros ancorados


S.Barth


S.Barth


S.Barth - Veleiros


S.Marteen - Flyer e Luar


Travessia do Atlântico - Reflexos


Travessia do Atlântico - Reflexos


Açores - Flores - Logoa Alta e Baixa


Açores - Faial - Vulcão Capelinho


Açores - Faial - Fofocas


Açores - Terceira - Marina


Açores - Terceira - Caminhos


Açores - Terceira


Açores - S.Miguel - Lagoa das sete cidades


Açores - S.Miguel - Samambaia


Açores - S.Miguel - Jardins


Açores - S.Miguel - Arte feita pelo mar


Açores - S.Miguel - Caio


Portugal - Galeota Real


Gibraltar - Dois macaquinhos


Gibraltar - A Rocha


Canárias - Amizades


Canárias - Símbolo


Canárias - Tempestade de areia


Cabo Verde - Ventos e chegada


Cabo Verde